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Território, jurisdição e competência penal

Território

O território brasileiro, onde o Brasil exerce com exclusividade sua soberania, compreende: tudo o que se encontra no espaço entre as fronteiras, inclusive lagos, rios, e até mares interiores, se os tivéssemos; o mar territorial; o espaço aéreo acima destes; as embarcações e aeronaves públicos onde se encontrarem; aeronaves e embarcações privadas, quando não em águas territoriais de outros estados; e as embarcações e aeronaves privadas estrangeiras quando estiverem em águas territoriais nacionais1.

Exceção é feita à passagem inocente2, quando ato ocorrido no espaço aéreo nacional a bordo de aeronave, ou no mar territorial a bordo de embarcação, de passagem pode ser considerado como tendo ocorrido em solo estrangeiro, nos termos do Art. 3º, da Lei 8.617/1993. A obra Mare Liberum, de Grotius3, estabeleceu a base jusfilosófica para este instituto.

Existem seis principais teorias que versam sobre a relação da espaço como fator de determinação jurisdição: a teoria da atividade; a teoria do resultado; a teoria da ubiquidade, onde ambos atividade e resultado podem determinar jurisdição; a teoria do sujeito, segundo a qual a identidade do sujeito determina jurisdição; a teoria do domínio do bem, pela qual certos bens são protegidos onde quer que se encontrem; e a teoria da jurisdição universal, segundo a qual a jurisdição é determinada por matéria e pela natureza do ilícito.

Determina o Art. 1º, do Código de Processo Penal, que, em regra, aplica-se a teoria da atividade4, segundo o princípio da territorialidade, para determinação da incidência da jurisdição do mesmo diploma a delitos ocorridos no território nacional5. Abre exceções para: convenções, tratados e regras fundadas no direito internacional; prerrogativas de certas agentes estatais; matéria pertinente à Justiça Militar; ações para as quais seja competente tribunal especial; e processos decorrentes de crimes de imprensa. Os dois últimos aplicam subsidiariamente o CPP.

Jurisdição

É o poder-dever exclusivo do Estado de apreciar conflitos, nos termos do sistema jurídico vigente. No direito penal brasileiro, em regra, todos os atos cometidos no Brasil são objeto da jurisdição do nosso ordenamento, nos termos do Art. 5º, do Código Penal, Lei 2.848/40. Exceção notável, decorrente do direito internacional privado é a da imunidade material do diplomata estrangeiro e de seus familiares às jurisdições civil e penal brasileira, nos termos da Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, internalizada em nosso ordenamento pelo Decreto Nº 56.435/1965.

Nosso ordenamento jurídico também prevê duas situações para a aplicação da lei penal brasileiro a fatos ocorridos fora do território nacional: a extraterritorialidade, conforme o Art. 7º, do Código Penal; e o crime à distância, conforme o Art. 70, §§1º e 2º, do Código de Processo Penal, e a teoria da ubiquidade do artigo 6º, do Código Penal.

Competência

Competência é a capacidade jurisdicional que certo órgão tem, sua capacidade de, atendendo aos princípios da legalidade e do juiz natural6, dizer o direito em função de matéria, pessoa e território.

Os dois primeiros critérios, no direito brasileiro, estabelecem a competência de forma absoluta, sob pena de nulidade. Já o critério territorial é defeito relativo, passível de prorrogação se não arguido tempestivamente, pois é apenas fonte de anulabilidade.

1MALHEIRO, Emerson Penha. 2015. Op. cit. p. 60.

2AVENA, Norberto. Processo penal esquematizado. 6ª ed. São Paulo: Método, 2014. p. 686.

3GROTIUS, Hugo. The freedom of the seas. Trad. Ralph Van Deman Magoffin. Kitchener: Batoche, 2000. p. 35. Disponível em: < http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/mc000110.pdf >. Acesso em: 15-04-2021. passim

4MALHEIRO, Emerson Penha. Direito penal: sociologia e teoria do crime. São Paulo: Max Limonad, 2017. p. 106.

5AVENA, Norberto. Op. cit. p. 50.

6MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 12a ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 274-275.

Publicado originalmente em: GIL, A. F. O cibercrime transnacional na sociedade da informação: incidência da jurisdição penal brasileira. In: MALHEIRO, E. P. (coord.). O direito da sociedade da informação e seus reflexos constitucionais . São Paulo: Emerson Penha Malheiro, 2022. p. 94-96
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Cultura e Sociedade

Sociedade da Informação

A Sociedade da Informação e do Conhecimento é forma contingente1 de sistema social, “uma nova representação da coletividade social”2. Ela decorre da mudança de valores sociais que relegou o produto industrial sólido (hardware) a um papel subordinado à “indústria da informação”3, que consome informação e conhecimento para produzir mais informação e conhecimento4.

Em 1997, Steve Jobs, ao retomar as rédeas da Apple, disse “[os] produtos são um lixo, eles deixaram de ser sexy”5. Uma década depois, lançaria o iPhone, e Apple deixaria de ser uma marca “fabricante de computadores”. Bauman discute este fenômeno ao conceituar a Modernidade Líquida, comparando a fixação ao solo da fortuna de Rockefeller ao desapego de Bill Gates por bens materiais6.

A Sociedade da Informação se caracteriza por ser interconectada, consequência da telecomunicação, que transformou costumes a partir da invenção do telégrafo, do rádio, do cinema, da TV, do computador, das linguagens de programação, da fibra ótica, do satélite de comunicação, do GPS e da Internet, entre outras.

O smartfone deve ser destacado das tecnologias anteriores, por ser um dispositivo híbrido portátil que incorpora praticamente todas as tecnologias ou funcionalidades acima, pois é: conectável; portátil; georreferenciado; e capaz de processar e armazenar informação. É o primeiro dispositivo capaz de fundir o ambiente virtual ao dia a dia do universo sólido. Transformou-se numa console integrada de entretenimento, trabalho, lazer e informação. Mais do que entrar on-line, trata-se do conceito de estar on-life7, aponta Hoffmann-Riem.

No modelo industrial, a informação, patrimônio proprietário e restrito, era coletada com objetivos claros e instrumentais. Já na Sociedade da Informação, ela é comunitária e holística. O objetivo de coletá-la não está claro a priori, será definido quando e se aparecer um problema que necessite de conhecimento derivado da análise de um grande conjunto de informações semelhantes. Recorre-se a ferramentas de Inteligência Artificial, ou reprodução dos processos lógicos humanos. IA permeia cada vez mais a vida das pessoas, físicas ou jurídicas, inclusive com tomada de decisões corporativas8. Tegmark propõe o conceito de Vida 3.0, para discutir a partir de que ponto a IA será capaz de consciência existencial e autonomia de vontade9.

Onde há riqueza, há criminalidade, e o ambiente virtual não é exceção. Parte significativa dos bens da vida, inclusive patrimônio líquido10, migraram para o ambiente virtual, como fintechs e obras de arte digital, chamadas de NFTs (Non Fungible Tokens), ou signos infungíveis11.

No campo cultural na Sociedade da Informação, Banksy se destaca por subverter os valores da arte proprietária mercantilizada. Uma de suas obras foi pintada sobre um muro na Palestina. Retrata um jovem lançando um buquê molotove repercute em mídia social desde 2006, em memes.

Dawkins elaborou um neologismo que funde a ideia de memória e de gene, representando uma unidade comunicação. Partindo do termo grego significando imitação, mimeme, e do mecanismo de replicação do gene, criou a expressão meme12. Na sua teoria neodarwiniana, a ideia mais eficaz em se reproduzir, ao longo de múltiplas interações, prevalecerá.

1LUHMANN, Niklas. O direito da sociedade. Trad. Saulo Krieger. São Paulo: WMF, 2016. p. 293-296.

2MALHEIRO, Emerson Penha; CHACCUR, RICARDO. O exercício da atividade estatal no monitoramento mercadológico e os seus efeitos nas pessoas na sociedade da informação. In: LISBOA, Roberto Senise (coord.). O direito na sociedade da informação IV: movimentos sociais, tecnologia e a atuação do estado. São Paulo: Almedina, 2020. p. 321.

3DIAS, João Carlos. A sociedade da informação, transparência e opacidade: caso do reconhecimento dos saberes tradicionais da lei de acesso a biodiversidade . In: LISBOA, Roberto Senise (coord.). O direito na sociedade da informação V: movimentos sociais, tecnologia e a proteção das pessoas. São Paulo: Almedina, 2020. p. 295.

4PAESANI, Lillian Minardi. Prefácio. In: PAESANI, Lillian Minardi (coord.). O direito na sociedade da informação III. São Paulo: Atlas, 2013. p. X.

5Tradução livre do autor: “The products suck, there’s no sex in them anymore.” In BURROWS, P.; GROVER, R. Steve Jobs’ magic kingdom. New York: Bloomberg, 2006. Disponível em: < https://www.bloomberg.com/news/articles/2006-02-05/steve-jobs-magic-kingdom >. Acesso em: 13-05-2021.

6BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Trad. Plinio Dentzen. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. p. 22-23.

7HOFFMAN-RIEM, Wolfgang. Teoria do direito digital: transformação digital desafios para o direito. Trad. Ítalo Fuhrmann. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 25.

8ARMOUR, John; EIDENMULLER, Horst. Self driving corporations?. Cambridge: Harvard Law Review, 2019. p. 13. Disponível em: < https://corpgov.law.harvard.edu/2019/10/08/self-driving-corporations/ >. Acesso em: 05-03-2021.

9TEGMARK, Max. Vida 3.0. Tradução Petê Rissatti. São Paulo: Benvirá, 2020. ps. 39-41, 54

10BRUMMER, Chris. Soft law and the global finance system. Kindle ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2015. p. 217-220.

11Tradução livre do autor, foi usado o conceito semiótico dicotômico “significado / significante”

12DAWKINS, Richard. The selfish gene. 40th Anniversary ed. Oxford: Oxford University Press, 2016. p. 249.

Publicado originalmente em: GIL, A. F. O cibercrime transnacional na sociedade da informação: incidência da jurisdição penal brasileira. In: MALHEIRO, E. P. (coord.). O direito da sociedade da informação e seus reflexos constitucionais . São Paulo: Emerson Penha Malheiro, 2022. p. 82